segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Expedição à João Câmara e Pureza

Jipeiros e Igarn realizam com sucesso expedição a Pureza e João Câmara*

Alguns jipeiros natalenses realizaram neste domingo, 9, uma das mais edificantes expedições que a comunidade fora de estrada do Rio Grande do Norte já vivenciou em benefício desta unidade federativa. Trata-se da expedição que os levou a conhecer as nascentes do rio Maxaranguape, situadas nos municípios de João Câmara e de Pureza, que eles conheceram na companhia de outros conterrâneos interessados em verificar “in loco” as condições ambientais em que elas se encontram.

Na viagem de volta, o comboio trouxe uma bagagem rica em termos de cidadania a envolvimento com as questões sócio ambientais que devem preocupar a todos os norte-rio-grandenses. Constatou que a poluição ambiental agride violentamente os dois maiores açudes existentes em João Câmara, o “Grande” e o de “Pedra D’água”, conheceu “in loco” uma comunidade amo mesmo tempo indígena e quilombola que enfrenta sérias dificuldades e tenta dar a volta por cima com seus próprios meios e se deparou com duas situações que se destacam na origem do Maxaranguape.

O rio tem uma nascente sazonal que, de tão sujeita a variações, torna difícil precisar, na época de estiagem, o ponto exato em que se localiza o olheiro, na localidade de “Buraco Seco”, em João Câmara, e quarenta quilômetros adiante nasce outra vez com a maior pujança imaginável, na famosa fonte de Pureza, situada em pleno centro da área urbana a que dá nome e caracterizada como uma das maiores atrações turísticas do interior do Rio Grande do Norte.

CARAVANEIROS

Sétima expedição a nascentes de rios potiguares promovida pela Trilhamiga, a viagem contou com a participação do diretor geral, engenheiro Celso Veiga, e de técnicos do Instituto de Gestão de Águas do Rio Grande do Norte (Igarn), assim como de integrantes do Natal Land Clube e do Natal Jeep Clube, entidade ainda em fase de fundação, e de outras instituições da sociedade civil.

Foi o caso da Sociedade Norte-rio-grandense de Arqueologia e Meio Ambiente (Sonarq), por intermédio de seus presidente e diretor, professores Walner Spencer e Henrique Rodrigues, respectivamente, e do Comitê Hidrográfico da Bacia do Pitimbú (CHB-Pitimbú), que se fez representar por seu presidente, o engenheiro agrônomo Marco Antonio Dantas.

A secretaria estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos integrou o comboio por intermédio da jornalista e pedagoga Laélia Maria Lira Ferreira de Mello, especialista em meio ambiente e políticas públicas, e aluna de curso de especialização em gestão normativa de recursos hídricos.

Entre os jipeiros que integraram a comitiva destacam-se o presidente e um diretor do Natal Land Club, engenheiro aeronáutico Levy Pereira e professor e técnico em petróleo Job Azevedo, respectivamente; e três integrantes da Trilhamiga: o economista Arthur Nascimento e esposa, Lílian; a universitária Solange Andrade Pereira e o jornalista Roberto Guedes, coordenador do grupo.

Realizada quase dentro do horário previsto em quase totalmente todos os seus estágios, como missão de conhecimento e conscientização, a viagem contou com a decisiva colaboração do advogado e escritor Aldo Torquato, ex-prefeito de João Câmara que recepcionou os jipeiros e demais integrantes do comboio com o café da manhã na casa grande de sua fazenda, em plena área urbana de João Câmara, e guiou o comboio durante toda a permanência deste em seu município.



Visão frontal da casa grande da fazenda do sr. Aldo Torquato, em João Câmara: o solo em questão apresenta caracteres peculiares de grande relevância aos estudiosos da arqueologia, pois é rico em silex e outros fragmentos de rocha, além de apresentar elementos valorizados pelas etnias indígenas denominadas "tapuias" como campo de plantio e acampamento.


A pedra menor: de coloração avermelhada, é um fragmento de sílex, lascado, mas não por ação humana direta; fora lascada após ser pisada pelo gado.
A segunda maior: rocha "comum"; de coloração acinzentada e de aspecto geral semelhante ao cimento, não era utilizada para produzir armas e ferramentas, mas possuía grandes possibilidades de uso para sanar diversas outras necessidades.


Numa localidade próxima a um dos açudes de João Câmara, são encontradas poços e piscinas naturais, esculpidas em rochas por ação da natureza, no decorrer de milhares de anos. Piscinas e poços naturais, como estes, são de grande relevância à arqueologia (bem como paleontologia) pois, por encontrar-se em regiões que sofrem com secas periódicas e por acumularem água fluvial, atraiam animais da mega-fauna o que, por consequencia, também atraía a atenção dos caçadores pré-históricos.

Tais piscinas e poços funcionavam como armadilhas naturais: os animais, incautos, ao buscarem água, acabavam por cair dentro destes poços e, muitas vezes impossibilitados de saírem, acabavam por morrer. A carcaça afundava e, sobre ela, a lama precipitava-se. A lama que se depositava sobre a carçaca acabava por preservar os restos mortais dos animais vitimados pelos poços, bem como também preservaria, com grande possibilidade, qualquer indício de presença humana que porventura alí houvesse.


Visão da estrada: saíndo de João Câmara e indo de encontro às comunidades formadas por descendentes de indígenas da etnia Tapuia. O destino final, após este trajeto de trilhas, fora a nascente de Pureza, assunto trabalhado com maior riqueza de detalhes em SONARQ - Meio Ambiente.


As ruínas de um antigo engenho, localizado num aregião de trilhas pouco depois de Pureza. A "torre" em questão é a chaminé por onde saia a fumaça da queima de madeira, utilizada no processo de produção de açucar. Adiante, de coloração branca, fora o que sobrou das poderosas paredes que caracterizavam construções tão antigas e imponentes.


Plataforma onde se situava o maquinário que extraía o sumo da cana-de-açucar, o famoso "caldo de cana". Já não há mais o maquinário, e o restante de tão importante patrimônio histórico também encontra seu fim nos dias que se sucedem, ao sabor do tempo e do Tempo...


As valas que davam para as fornalhas onde era queimada a madeira que gerava o calor necessário para aquecer as cubas onde era feito os derivados da cana-de-açucar (açucar mascavo, rapadura, melaço...).


Estas bocas de fornalhas dão de frente a um diminuto regato que passava às "costas" da edificação. Provavelmente esta seria a frente da construção, contudo, para os fins de identificação, dentro da pespectiva de quem tem por frente à face que dá para a estrada, este seria o fundo do engenho. Tal regato tinha a função de higienização do ambiente e por ele eram escoados os dejetos resultantes do processo de produção do açucar.


Ao fim do dia, uma das mais belas e reconfortantes visões. Mesmo este momento possui alguma relevância, mesmo que poética, para um arqueólogo: o céu é um dos elementos ambientais que, mesmo após milhares de anos, não alterou-se em sua configuração e, não é dificil dizer: se somente os seres humanos possuem sensibilidade suficiente para apreciar tal paisagem, então o homem do raiar dos dias da humanidade e o homem de hoje já deitaram seus olhos, com a mesma impressão, para este mesmo cenário...


(*) o trecho em azul fora extraído, na íntegra, do "Notícias de Jipeiros", edição N° 585/2007 de segunda-feira, 10 de dezembro de 2007.

domingo, 9 de setembro de 2007

Num passado não tão distante...

Saudações a todos.

Hoje faz exatamente uma semana que a equipe arqueológica da SONARQ, juntamente com alguns alunos do curso de Graduação em História, pela UFRN, fizeram uma inspeção arqueológica para o IDEMA.

Sábado e domingo passados, dia 01 e 02 deste mês, três membros diretores da SONARQ - o Presidente, Professor Dr. Walner Barros Spencer, historiador, arqueólogo e antropólogo; o Secretário, Henrique R. de Oliviera Jr. e o Tesoureiro, Rodrigo Cavalcante, ambos ambientalistas e graduandos em História - conduziram cerca de vinte alunos da disciplina de Arqueologia 2007.2 em sua primeira (e provavelmente única) atividade arqueológica acadêmica prática durante o curso. Sete alunos compareceram no primeiro dia, enquanto que, no dia seguinte, outros dez compareceram. Desta maneira, todos tiveram uma boa dose da atenção do professor que lhes leciona Arqueologia e que lhes lecionara Pré-história.

Durante estes dois dias, parte da equipe reuniu-se na balsa que atravessa o Rio Potengi, enquanto que outra parte já aguardava do outro lado do rio. Das 08:00hs até as 16:00hs, estudaram a área determinada, fazendo anotações e ouvindo, do professor, as explicações históricas que envolvem e permeiam aquele local.

Os alunos aprenderam, de modo prático, como se conduzir durante uma atividade arqueológica profissional. Os cuidados a serem tomados durante a inspeção, bem como o que deve ser observado e como deve ser observado, além de dicas de segurança. Várias foram as informações transmitidas aos alunos, e o dia transcorreu, tanto no sábado quanto no domingo, maravilhosamente bem.

Foi este, sem dúvida, um fim de semana memorável para todos, tanto membros da SONARQ quanto alunos universitários pois, de fato, esta foi uma das raras oportunidades de se aliar o conhecimento teórico ao conhecimento prático.

A título de exclarecimento, o IDEMA forneceu tanto a condução (de parte dos integrantes), quanto duas refeições diárias (lanche e almoço), bem como água mineral (e refrigerante), para todos os integrantes da equipe, durante os dois dias de inspeção.

Esperamos, enquanto defensores da cultura, da história, do patrimônio e do meio-ambiente, que iniciativas e oportunidades como estas voltem a se repetir, para o bem não somente dos alunos, mas de toda a população Norte-Rio-Grandense.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

ARQUEOLOGIA: Definições (parte 2)

"A arqueologia nos fascina por oferecer uma visão de modos de vida perdidos no tempo, embora constituam, ainda hoje, parte integrante de nossa herança cultural. Aprender sobre os antigos egípcios, assírios, incas ou astecas é uma forma de eludir tensões geradas por deficiências econômicas, carências alimentar e conflito social. Entretanto, existem rações mais cadentes para impulsionar a investigação arqueológica. Satisfaz-me particularmente tornar este livro aces´sivel a leitores brasileiros porque permite refutar a ilusão de que as conquistas dos habitantes pré-históricos desta imensa porção do continente sul-americano não têm qualquer relevância para a solução dos problemas contemporâneos do Brasil." - Betty J. Meggers, América pré-histórica, p.11.

Talvez a maior diferença entre a História e a Arqueologia esteja na definição que encerra estes dois termos: a História inicia-se, segundo sua própria convenção, à partir do momento em que o ser humano registra, por escrito, fatos e eventos relevantes para seu povo. Tudo o que vem antes da História, registro escrito dos acontecimentos, chama-se pré-história. Desde os primeiros registros escritos da mais antiga civilização até os dias de hoje, muita coisa mudou na mentalidade do historiador, de modo que "documento histórico" já não é mais um documento escrito, mas qualquer tipo de registro que faça referência a um evento, acontecimento ou personagem. São, portanto, documentos históricos, os documentos escritos, seja de qual natureza for, as imagens estáticas (pinturas, fotos, esculturas, vitrais, etc) e dinâmicas (filmes), músicas, contos e tantos outros. Fala-se, inclusive, da História Oral, o que é uma grande inovação destes tempos atuais.

Não é possivel dizer que a Arqueologia trata, então, somente das coisas da pré-história. A arqueologia pode aplicar-se aos mais diferentes períodos da História e aos mais diferentes momentos da raça humana. O que torna a Arqueologia especial é o fato de que ela, por suas tecnicas e por seus métodos, consegue capturar, de objetos de estudos inusitados, informações que não são, de modo algum, obvias. Diferente dos documentos comumente utilizados pelos historiadores, como é o caso dos documentos escritos e imagens, cuja informação está estampada no próprio objeto, os objetos de estudo do arqueólogo não apresentam, num primeiro plano, informações especificas sobre quem o fez, quando foi feito e por qual motivo fora feito.

Exemplos:

Ao deparar-se com um artefato lítico em perfeito estado de conservação, até mesmo um historiador poderá dizer se tal artefato trata-se de uma lança ou de um machadinho. Entretanto, este mesmo historiador não saberá dizer que tipo de tecnica fora utilizada para produzir tal ferramenta ou mesmo que tipo de cultura pertencia seu autor. Esta situação agrava-se, então, quando este mesmo historiador encontra-se no meio de uma Oficina Lítica. Este sítio arqueológico irá apresentar centenas de lascas de diferentes tipos de "pedra" e, muito provavelmente, restos de cerâmica. Um arqueólogo experiente irá identificar, com facilidade, o tipo de mineral encontrado bem como a natureza do que estava sendo feito apenas pelo estudo das lascas. Ele saberá dizer, ao encontrar um núcleo de sílex, de que modo o homem pré-histórico o trabalhava. Como segurava para lascar, onde dava o primeiro impacto e o que, provavelmente, estava sendo feito. Dos restos de cerâmica ele poderá identificar a cultura deste grupo, observando a expessura, a textura, a coloração e detalhes da modelagem. Tal arqueólogo saberá como ele assava a massa e mesmo como ela era feita e a que se destinava. Observando as ruinas de uma construção, um Arqueólogo poderá dizer o tempo em que fora erguida e quem foram seus autores. Ele saberá dizer a tecnica utilizada a qual a provável finalidade de seus cômodos, se este for o caso. Conhecendo uma determinada cultura, o arqueólogo também conhecerá os métodos, meios e tecnicas empregadas por ela na confecção de seus bens móveis e imóveis, seja em que tempo for, seja onde for.

A Arqueologia torna-se extremamente importante pois serve como meio de buscar, e interpretar, uma informação do passado cujos autores já não se encontram mais presentes ou, conforme o caso, em condições de prestarem as devidas explicações e/ou quando, em outra situação, a informação fornecida pelo objeto não é tão "inteligivel" quanto se espera. Talvez seja, por estes fatores, que a Arqueologia é tão presente no estudo dos povos e das civilizações pré-históricas e, é claro, tão facilmente ligada a elas pelo senso-comum.

(Continua...)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

ARQUEOLOGIA: Definições (parte 1)

"A arqueologia é uma forma de história e não uma simples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são documentos históricos por direito próprio e não meras abonações de textos escritos. Exactamente como qualquer outro historiador, um arqueólogo estuda e procura reconstruir o processo pelo qual se criou o mundo em que vivemos - e nós próprios, na medida em que somos criaturas do nosso tempo e do nosso ambiente social. Os dados arqueológicos são constituídos por todas as alterações no mundo material resultante da acção humana, ou melhor, são os restos materiais da conduta humana. O seu conjunto constitui os chamados testemunhos arqueológicos. Estes apresentam particularidades e limitações cojas consequências se revelam no contraste bem visível entre a história arqueológica e a outra forma usual de história, baseada em documentos escritos." - V. Gordon Childe. Introdução à Arqueologia. Cap I, p 9.

Toda definição é uma limitação. Toda limitação é uma forma de poda, de modo que o que é limitado não pode ir além das limitações impostas. Muito embora estas verdades sejam perfeitamente válidas, uma ressalva precisa ser elaborada: para que se compreenda melhor algo, uma explicação, mediante uma diferenciação, se faz necessária. Para diferenciar a Arqueologia de outras ciências, como a História, ao mesmo tempo em que se fazem apontações e explicações sobre tais diferenças, a definição torna-se, por mais desagradável que seja, a única ferramenta apresentável, de modo que dela, neste momento, nos utilizaremos.

A Arqueologia é uma ciência recente, mas não é uma atividade recente. Assim como uma semente não é uma árvore em sí, mas antes o potencial de tornar-se uma árvore, a Arqueologia, em seu princípio, assim como toda e qualquer ciência, não era uma ciência em sí, contudo, era um potencial que, com o desdobrar do tempo, cria raizes, se fortalece, floresce e frutifica.

A Arqueologia é uma ciência humana, bem como também é uma ciência exata. A bem da verdade, ela transita no limiar destas duas convenções. Ela é humana pois trabalha com toda a subjetividade existente no estudo do ser humano, enquanto criatura cogniscente, que age e reage em sei meio ambiente natural, criando neste e a partir deste outros meios ambientes, de sí e para sí, conforme sua evolução, necessidades e mentalidade, entre outros fatores. Entretanto a Arqueologia também é uma ciência exata pois atua em nível extremamente tecnico no que tange suas observações, análises, relações e conclusões, agindo de forma analítica, prática, objetiva e científica na reconstrução do passado, conforme os indícios e informações coletadas dentro de um contexto, o qual é a base primal de todo e qualquer apontamento.

Outro fator importante que diferencia a Arqueologia das demais ciências é que ela, dentro de suas mais variadas tecnicas, atua como um elo de ligação entre diferentes e, muitas das vezes, conflitantes ciências, quer sejam estas humanas ou exatas. Alia-se à Arqueologia ciências como a Química, a Biologia, a Física, a Bio-medicina, a Geografia, a Geologia, a Ecologia, a Botânica, a Geo-morfologia, a Antropologia, a Psicologia, etc. Como a Arqueologia ainda é uma ciência nova, não foram esgotadas as aplicações das mais variadas ciências existentes, pois, como é de conhecimento geral dos acadêmicos, a cada novo passo do homem, novas descobertas surgem e, a cada nova descoberta, conhecimentos outrora seguros caem por terra e, no lugar destas, novas "verdades" se elevam e se firmam, até serem confirmadas ou abjuradas por novas descobertas.

Ao contrário do que muitos imaginam, um arqueólogo não é obrigado a conhecer tudo sobre tudo. Níveis profundamente tecnicos, e de conhecimentos específicos, podem ser ofertados pelas ciências das quais nascem e fazem parte, como é o caso dos testes de datação por Carbono 14, por exemplo. Todo Arqueólogo é, por excelência, um Historiador, mas nem todo Historiador é um Arqueólogo. A Arqueologia nasce da e ná História, mas destaca-se desta através de inúmeras diferenças, principalmente no que concerne a mentalidade de seus agentes. Atualmente há um grande movimento de transformação das mentalidades e a História, bem como a Arqueologia, não lhe foge à influência. Da História tenta modificar-se a mentalidade do que é considerado "Documentos Válidos", e da mesma forma acontece na Arqueologia. Para a História de outrora, Documentos Históricos eram apenas os documentos escritos, os quais passaram da História Militar para uma mais abrangente, que é a História da própria humanidade como um todo. A Arqueologia, por seu turno, deixa de prender-se aos tesouros e às grandes criações humanas do passado glorioso - Antiguidade Clássica - para dar mais atenção a objetos de estudo mais singelos e, até a pouco tempo, desconsiderados, como é o caso dos objetos e ferramentas líticas. Duas lutas se travam: a História deseja deixar de ser uma mera forma de narrar acontecimentos, e a Arqueologia deseja deixar de ser uma mera forma de encontrar - e classificar - objetos de colecionadores.

(CONTINUA...)

Regras da Arqueologia


Saudações, senhoras e senhores.

Talvez este início de texto seja, para os alunos de pré-história e arqueologia da UFRN, um pouco mais familiar e compreensível pois, utilizando como exemplo as aulas de campo ministradas pelo Prof. Dr. Walner Barros Spencer, apresentarei uma situação que explica algumas das regras mais conhecidas entre os alunos do já citado professor: não tocar em nada; deixar tudo exatamente como está!


Estas duas regras possuem uma finalidade que foge e extrapola à ideia de mera organização. Tais regras visam preservar a integridade de todo e qualquer achado arqueológico. Não que o toque venha a quebrar um artefato lítico ou um caco de cerâmica ou faiança. Embora esta ameaça possa existir, em maior ou menor grau, o exercício do não tocar tem como objetivo educar os prospectivos historiadores e arqueólogos. O motivo é simples: a alteração dos testes de datação.

Em 1988 a Santa Sé autorizou os primeiros testes de datação radiométrica do sudário, segundo o método do carbono-14. Foram colhidas três amostras que foram entregues a três laboratórios independentes:Universidade de Oxford (UK), Universidade do Arizona (EUA) e o ETH Zürich (Suíça). Todas as análises revelaram idades entre os séculos XIII e XIV, mais concretamente no intervalo 1260-1390. Apesar dos resultados serem claramente posteriores ao século I, a variação que apresentam merece explicação. Foi pedida autorização ao Vaticano para efectuar mais testes mas, até à data esta pretensão tem vindo a ser recusada com o argumento de que a colheita de mais amostras podem danificar a peça.



A datação radiométrica por carbono-14 é uma metodologia bastante precisa quando aplicada a materiais com menos de 2000 anos de idade. Existem, no entanto, várias fontes de erro que podem induzir resultados duvidosos. Muita da polémica alimentada pelos defensores e opositores da autenticidade do sudário foca as possíveis fontes de erros da datação. Um sumário dos argumentos contra e a favor é apresentado em baixo, na secção dedicada à controvérsia.

Os resultados da datação radiométrica são o argumento mais importante para a defesa da tese do sudário como falsificação, bem como a conclusão obtida pelo estudo microscópico que demonstra que a imagem foi pintada com pigmentos ocres.

A datação do sudário foi contestada pelo argumento de contaminação bacteriana. Em resposta os cientistas que realizaram as análises de carbono-14 afirmam que excluíram a priori esta possibilidade e que o método é preciso. Um especialista neo-zelandês afirmou ainda que um erro de treze séculos devido a contaminação bacteriana é possível, mas implica uma camada de bactérias com o dobro da espessura do tecido, o que afasta esta teoria. O intervalo de resultados (1290-1390) é explicado pela influência do incêndio de 1532 e subsequentes tentativas (desastradas) de restauro.

A acusação de falsificação é tão antiga como o próprio sudário e foi lançada pelos arcebispos de Troyes contemporâneos da sua descoberta. Um deles, Pierre d’Arcis, escreveu mesmo ao papa detalhando os pormenores da impostura que considera ser uma forma ardilosa de roubar dinheiro de peregrinos piedosos. A missiva foi prontamente ignorada pelo papa, mas está de acordo com a idéia de que o sudário é uma pintura e com a datação de carbono-14.

Este talvez seja o maior e mais notório caso de um teste de datação por carbono 14 que fora comprometido. Com a descoberta e a validação das tecnicas de datação, uma das relíquias humanas de maior importância histórica, cultural e social, o Santo Sudário fora apresentada para que se fosse feita a datação. O resultado dos testes surpreendeu a todos: o Santo Sudário apresentou uma idade muitissimo superior à que esperavam. A comunidade católica ficou estarrecida com o resultado e a possível possibilidade de que esta relíquia, tão valiosa para a fé cristã, fosse uma fralde.

A origem da polemica que envolve o Santo Sudário gira em torno não da tecnica de datação em sí, mas antes no que pode ter ocorrido, antes, para que a datação não apresentasse uma conclusão próxima à realidade.

Não quero, com este exemplo, dizer se o Santo Sudário é ou não uma fralde, mas antes dizer que, por motivos simples como um toque de mãos, o toque da fumaça (quer de cigarro ou carros ou outra qualquer), bem como o contato com cinzas e outras substâncias diversas, a constituição química das relíquias podem ser alteradas ao ponto de modificarem os resultados dos testes de datação. Não tocar implica em não contaminar o achado, seja ele qual for.

Outro motivo pelo qual o historiador/arqueólogo não deve tocar os achados é o fato de que, movimentando-o, retirando-o do local onde fora encontrado, pode ser que todo o contexto existente no cenário, no ambiente da descoberta, seja destruído. O modo como são, por exemplo, encontrados os líticos no Parque das Dunas, poder apontar a organização dos homens pré-históricos na hora de confeccionarem suas ferramentas, bem como o que mais faziam por alí. Uma vez que os artefatos líticos são movimentados, todo o contexto do ambiente se perde e, com ele, perde-se também preciosas informações relevantes à compreenção do passado histórico e cultural destes nossos antepassados.

Não tocar, não mover, pode não ser regras escritas, mas com certeza são regras não-escritas que, em nome da Boa Arqueologia e da Boa História, devem ser seguidos e exercitados por todo e qualquer historiador/arqueólogo que leve seu ofício à sério.


OBS: Durante as aulas de campo, uma vez que a turma está acompanhada por um especialista, e tendo como objetivo principal um maior contato dos alunos com a parte prática da ciência História, haverá a possibilidade de que tais artefatos sejam tocados e retirados de seu local, todavia, isto é possível pelo simples fato de que tais artefatos já se encontram, quase todos, fora de seu local, devido a ação de pessoas que, desconhecedoras da importância que tais "pedras" representam, movimentam-na como se nada fossem. O ideal é que o IPHAN, juntamente com o DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UFRN e o próprio MUSEU CÂMARA CASCUDO se unissem para preservar estes locais históricos, não somente os sítios, mas todo e quaquer patrimônio histórico do Rio Grande do Norte. O que acontece para que estas três entidades permaneçam omissas diante da destruição dos poucos indíssios do passado potiguar é um mistério, todavia, o mal que esta omição causa é irreparável, e quem sofrerá com isto não somos nós, mas a História e o nossos descendentes, que já não possuirão o que estudar e o que ser lembrado.

Vamos, pois, lutar pela preservação da História do Rio Grande do Norte.
Deixar a História de lado é virar as costas para a sabedoria do passado e ignorar os sinais que se repetem no futuro, fazendo do presente um eterno perpetuar da ignorãncia.

DATAÇÕES


Saudações, senhoras e senhores.

Na arqueologia existe um conhecimento que deve ser de domínio de todo e qualquer arqueólogo: a datação. Sua importância transcende qualquer conceito já utilizado pois ele é utilizado, a todo e qualquer momento, e de várias maneiras diferentes.

A datação apresenta-se de duas formas:
a) A datação relativa e;
b) A datação absoluta.

A Datação Relativa é (e deve ser sempre) de domínio de qualquer arqueólogo/historiador. A datação relativa acontece quando, deparando-se com a necessidade de localizar algo/alguém num plano cronológico, o especialista (arqueólogo e/ou historiador) lança mão de informações fornecidas pelo próprio ambiente ou objeto descoberto.
Ex: No primeiro semestre de 2006, no Parque das Dunas, localidade litorânea protegida pelo exército do Rio Grande do Norte, foram encontrados vários fragmentos de cerâmicas indigenas, vidro temperado e faiança. Observando as caracteristicas das cerâmicas indigenas, juntamente com os vidros e faiança, o grupo compreendeu que poderia tratar-se de um sítio de encontro. A determinação da localização temporal daqueles fragmentos, por sua vez, está vinculada ao tipo de local onde fora encontrado (muito distante da parte habitada), os sinais presentes e/ou auxentes (não havia sinais de fogueiras nem qualquer sinal de habitação) e a própria natureza do que foi descoberto. Numa análise superficial, embora embasada em conhecimentos históricos e arqueológicos, o especialista deste grupo concluiu que aquele sítio fora, dentro do séc. XVIII, um local utilizado por contrabandistas para a descarga de suas mercadorias. Então compreende-se que é com base nos conhecimentos históricos e arqueológicos que se faz uma datação relativa, ou seja, ela é precisa dentro de alguns termos e condições que não são absolamente precisas.

A Datação Absoluta é, em termos gerais, muito mais confiável do que a relativa, devido à cientificidade que permeia a obtenção das informações cronológicas. Este tipo de datação é obtida através de diferentes tecnicas, e estas irão variar conforma o objeto a ser analizado. Para cada tipo de objeto há um determinado tipo de teste que irá dizer a sua origem dentro de um palno cronológico.
Ex: uma equipe de arqueologia descobre, numa região qualquer do Brasil, a ossada de um Homo sapiens, jutamente com cacos de cerâmicas. Imediatamente um especialista dirá que "de acordo com as teorias mais comumente aceites entre os antropólogos actuais, o Homo sapiens teve origem nas savanas da África entre 130.000 a 200.000 anos atrás, descendendo do Homo erectus, e terá colonizado a Eurásia e a Oceania há 40.000 atrás, colonizando as Américas apenas há 10.000 anos", de modo que aquela ossada não terá mais do que 10 ou 12 mil anos e isto é, então, uma Datação Relativa. A Datação Absoluta será realizada com base em testes realizados com a estrutura atômica da ossada encontrada. Realizando um teste de Carbono 14, descogre-se que este indivíduo viveu há aproximadamente entre três mil anos. Outro teste, diferente do teste de Carbono 14, é realizado com fragmentos das cerâmicas encontradas e o resultado aponta uma datação um pouco diferente - cerca de cinco mil anos. Como o resultado é baseado em informações obtidas da própria estrutura atômica dos objetos encontrados, então esta datação é tida como absoluta: sua datação possui grande precisão e diminuta margem de erros.

Existem diferentes modos de se fazerem datações, sejam elas relativas ou absolutas, todavia, elas fornecerão apenas informações mais confiáveis, mais precisas e, é claro, estas informações nada mais são do que peças mais ou menos importantes do grande quebra-cabeças que é o estudo sobre um achado arqueológico. Outros fatores podem alterar a confiabilidade destas datações, bem como confirmá-las. A datação é importante, mas muitos outros fatores pesam na balança na hora de fazer uma afirmação sobre a natureza de um achado. Quanto maior for a quantidade de informações que apontam para uma determinada conclusão, mais sólida ela é aos olhos da ciência.

A datação é uma técnica que engloba outras tantas técnicas. O arqueólogo não possui a obrigação de tornar-se um expert em física e/ou química para poder fazer datações absolutas, principalmente quando há laboratórios competentes que disponibilizam este serviço, mas quanto à datação relativa, a qual envolve conhecimentos históricos, esta é fundamental a todo e qualquer arqueólogo e/ou historiador sério que dedique-se à ciência da qual faça parte.

Dentro da arqueologia, bem como da própria história, o conhecimento nunca é demais.

IMAGEM: mapa da provável migração dos Homo sapiens.

A Arqueologia na Prática



O trabalho de um arqueólogo possui várias facetas e cada uma delas possui várias etapas.

A arqueologia não é uma ciência única e exclusivamente de campo. As atividades não se resumem em escavações e, ao contrário disto, a maior parte das atividades arqueológicas, por incrível que possa parecer, acontece antes e depois de uma inspeção, quer seja num escritório, quer seja num cômodo ou mesmo na varanda de uma casa.

Antes de uma visita, a qual denominamos de "diagnóstico arqueológico", o arqueólogo responsável e/ou encarregado da pesquisa, juntamente com sua equipe, deve coletar as mais diversas e diferentes informações sobre a região a ser inspecionada. Dentre muitas coisas observadas, podemos destacar alguns itens básicos:

a) A natureza da região visitada e certos aspectos geográficos como relevo, clima, vegetação e hidrografia;
b) A possível proximidade com outros sítios arqueológicos existentes na região e/ou arredores.
c) O nível de ocupação e/ou intervenção humana (moderna/contemporânea) existente na área a ser visitada;
d) Informações históricas;
e) Vias de acesso à área em questão;
f) Fatores diversos de representem alguma relevância ao estudo da área.

Logicamente que existem variantes, pois a arqueologia é dinâmica e seus meios e mecanismos irão variar sempre que variarem os objetos de estudo, suas localidades e seus agentes, entre outros fatores de igual importância. O que não irá variar, em hipótese alguma, é o cuidado que o arqueólogo e sua equipe devem ter ao se preparar para a execução da atividade arqueológica. Conhecer o máximo possível a região a ser visitada significa saber apontar onde há maior probabilidade de se encontrar o que se espera encontrar. Conhecer a região em seus mais diversos aspectos geográficos é, também, antecipar-se a qualquer eventualidade que venha a atrapalhar o bom andamento da atividade. Outra coisa importante a ser lembrada é que o arqueólogo não "procura" coisa alguma: ele simplesmente sabe, pelo estudo do local e da cultura que tenha existido ali, seja em qual tempo tenha sido, o que é possível encontrar e onde é possível encontrar com maior facilidade.

Durante a inspeção, toda a equipe arqueóloga deve estar afinada e bem equipada. A vestimenta deve ser confortável (caso haja a necessidade de se caminhar por longas distâncias e percursos difíceis), resistente (para que possa enfrentar obstáculos sem danificar-se), de coloração clara (para evitar absorção de calor e ataque de insetos) e deve proteger, em especial, as pernas e a cabeça do individuo (caso seja necessário caminhar dentro de vegetações fechadas, etc.). Além do vestuário, a equipe deve estar atenta aos equipamentos como mapa, bússola, GPS, cantis com água (muita água), máquinas fotográficas, rádios e/ou telefones celulares, lanternas, facões, pinceis, cadernetas de anotações e caneta/lápis, pilhas, kit de primeiros socorros, etc. Cada situação deve ser pensada e prevista. Quanto menor for a possibilidade de deparar-se com o inusitado, maior é a chance de sucesso da equipe. Lembre-se do ditado: "confie em Deus, mas amarre seu camelo".

Após a preparação e a visita ao local, realiza-se a etapa seguinte da atividade arqueológica: a confecção dos relatórios. Independente de ser uma atividade de iniciativa privada, pública, acadêmica ou própria do arqueólogo e sua equipe, sempre haverá a necessidade de se fazer um relatório. O ideal é que seja um relatório para cada visita realizada. Se forem realizadas quatro visitas, serão quatro relatórios e um relatório final, o qual englobará tudo o que foi observado, encontrado e não encontrado, bem como explicações, apontamentos, ressalvas e a conclusão do projeto/pesquisa.

Se for um trabalho realizado em virtude de um negócio que envolva a modificação qualitativa e quantitativa da região a ser pesquisada (ex: represamento, extração de bens minerais, projetos de urbanização, construções em geral, etc), o relatório final deste projeto deverá conter, além de todas estas informações anteriormente citadas, dados sobre o que fora encontrado, sua importância dentro do quadro cultural da sociedade, bem como os possíveis impactos diretos e indiretos do empreendimento sobre a integridade do sítio encontrado. Tal relatório servirá como norteador da realização do empreendimento, ditando sua possibilidade, impossibilidade e/ou as modificações que o projeto deverá apresentar para que haja a preservação do sítio, e isto, é claro, se não for o caso de se realizar um resgate arqueológico do que fora encontrado (se for encontrado).

Dunas e Paleo-dunas



Mais uma pergunta interessante: qual a diferença de uma Duna para uma Paleo-duna????


Segundo a wikipédia, "Em geografia física, duna é uma montanha de areia criada a partir de processos eólicos (relacionados ao vento). Dunas descobertas são sujeitas à movimentação e mudanças de tamanho, pela ação do vento. O vale entre as dunas é chamado slack. Ou seja, dunas são montes de areia formadas pelo vento e pelo mar. Quando o vento sopra, leva a areira e com o tempo viram dunas. Dunas não precisam ser necessariamente grandes, muitas delas são bem pequenas.".

Para a atividade de arqueologia, consideraremos dumas, meramente, dentro do que foi acima descrito, com as dunas de cor "branca".

Quanto mais clara, mais "jovem" é a duna. Quanto mais escura - tom avermelhado - mais antiga é a duna. A coloração avermelhada daquelas que chamamos de paleo-dunas deve-se à sua natureza ferruginosa. A grande quantidade de ferro existente nestas dunas lhe dá grande estabilidade e sustentação, de modo que é, aqui no Rio Grande do Norte, ideal para a construção de edificações.

O problema das edificações está relacionado ao fato de que estas dunas, antigas, possivelmente eram locais de trânsito, morada ou acampamento de indígenas pré-históricos, "coisa" da idade da pedra lascada. Como a base ferruginosa dá, em áreas de dunas, uma boa sustentação à edificações, elas se tornam alvo de construtoras. Toda e qualquer construção feita em regiões de dunas e paleo-dunas precisa passar por uma avaliação que diga se existe algum perigo ambiental e arqueológico, pois além de um local natural de habitação de fauna e flora, as paleo-dunas também são, frequentemente, depositários naturais de fragmentos da pré-história humana.

Observem, pois, estas construções, pois todo e qualquer empreendimento em área de possível habitação humana deve passar por um processo de diagnóstico arqueológico, e isto significa emprego e grande possibilidade de achados interessantes.

IMAGEM: Regiões de Dunas do município de Rio do Fogo
FONTE (wikipédia): http://pt.wikipedia.org/wiki/Duna

Silex - resto de lascamento



Os indígenas pré-históricos que andavam pelo litoral norte-rio-grandense demonstram, através do legado que nos deixaram, serem muito habilidosos no manuseio de pedras para confecção de ferramentas líticas.

Tais "pedras" não são naturais desta região, principalmente nas regiões de dunas do litoral potiguar. O sílex, entre outros tipos de pedras utilizados para fabricação de ferramentas líticas, eram trazidos de longe, e aproveitados ao máximo. Observa-se, pelos vestígios de lascamento e pelo que já foi encontrado, que muitos fragmentos de sílex não eram de boa qualidade, no que se refere à matéria prima para manuseio, no entanto, estes indígenas conseguiam, apesar da má qualidade do material disponível, confeccionar ferramentas de bom uso.

Observa-se, tanto nas lascas quanto no próprio artefato, que o domínio da técnica de lascamento era fenomenal: ele projetava na peça aquilo que ele desejava e, com o domínio da técnica, obtinha a ferramenta que necessitava.

Documentação Fotográfica



Muitos já devem ter se perguntado o motivo de, em algumas imagens de documentação arqueológica, certos achados são fotografados ao lado de objetos "mundanos" como canetas, lapiseiras (como na imagem) ou qualquer outra.

O motivo é o fato de que estas imagens precisam ser feitas de modo que se tenha uma ideia precisa do real tamanho do artefato/achado documentado. Geralmente, para objetos pequenos, há um quadro que, posto junto ao objeto, diz seu tamanho, tal qual uma régua, mas não é sempre que o arqueólogo/fotógrafo terá este material em mãos e, para que o trabalho não seja perdido, utiliza-se um objeto que possa ser medido e, então, é colocado junto ao artefato/achado para que possa servir como ponto de comparação e, assim, há uma ideia objetiva do tamanho do que fora fotografado.

A maior ferramenta de um pesquisador de campo é sua criatividade diante das adversidades.

Mapa Topográfico do Brasil



Saudações, senhoras e senhores.

Estou disponibilizando esta imagem para que vossas senhorias possam utilizá-la em seus estudos, trabalhos e/ou apresentações.

Este mapa pode não ser dos melhores, mas ele apresenta duas coisas importantes para qualquer estudo arqueológico: rios e relevos.

Observando os rios e as áreas onde há grande presença de formações rochosas, é possível estabelecer, com grande probabilidade de acerto, os locais que serviam de acampamento ou passagem dos homens pré-históricos.

Um bom exemplo disto pode ser observado na região do Rio Grande do Norte, a qual apresenta um "Celeiro Natural" entre a região litorânea, rios, florestas e cadeias rochosas. Eram nestes celeiros que os homens primitivos conseguiam, teoricamente, cercar e caçar animais da megafauna.

Para se estabelecer, com grande chances de acerto, a localização de sítios arqueológicos pertencentes a homens primitivos, basta procurar por coisas simples como a localização de água e alimentos...

PROJETO ARQUEOLÓGICO PONTE DE NATAL

Reconhecimento e resgate
RELATÓRIO FINAL



Introdução

O Projeto Arqueológico Ponte de Natal foi contratado pela CEJEN Engenharia Ltda. com o fim explícito de reconhecer arqueologicamente a área na qual irão desenvolver-se as obras da construção da ponte rodoviária sobre o rio Potengi, na Cidade do Natal, RN, e o conseqüente resgate dos vestígios de importância e significado histórico porventura existentes.

Desde que os locais analisados jamais tivessem sofrido nenhum reconhecimento arqueológico que demandasse uma escavação pontual, o projeto buscou realizar uma prospecção sistemática que garantisse a obtenção de dados que permitisse uma avaliação dos eventuais vestígios existentes, da importância e relevância dos mesmos, de modo a dar fundamento a uma segunda etapa, com escavações arqueológicas que os resgatassem e que possibilitassem o entendimento de seus contextos históricos.

A área se compõe de uma faixa de cerca de 200 por 450 metros na margem direita do rio Potengi, quase em sua barra, onde estão situadas as instalações do Círculo Militar e os hangares e pista de ultraleves, bem como a faixa correspondente de mangues e a estreita faixa litorânea que, ao leste, dá frente ao mar; e de uma outra faixa de cerca de 200 por 800 metros na margem esquerda do rio, faixa que se delimita à esquerda com o vasto mangue do antigo curso do rio Doce.

Os trabalhos de campo foram realizados de 05 de maio a 19 de junho de 1999 e constaram de reconhecimento de superfície, sondagens de subsolo e abertura de trincheiras de prospecção.

A equipe de arqueologia agradece o interesse e a colaboração da arquiteta Jeanne Nesi, diretora da 3ª SubR IPHAN-RN, do historiador Olavo de Medeiros Filho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; do prof. José Melquíades; do Coronel Erland Correia Mota, Comandante do 17º GAC; dos responsáveis pela manutenção do Círculo Militar, Sargento Lindair Alves da Silva e Cabo Ubiratan Rodrigues C. Santos, e a pronta colaboração dos integrantes da CEJEN, nas pessoas de seu diretor, Wilson L. Cardoso, de José Eliseu de Barros e de Francisca de Kátia Barreto Pereira; e ao IDEC, pelo empréstimo das fotografias aéreas.

Histórico da área

A área terrestre onde se desenvolverão as obras da construção da Ponte do Natal está situada em região na qual desenvolveram-se eventos constituintes da formação histórica colonial brasileira.

Durante a maior parte do século XVI a região não só era de pleno domínio da nação potiguar, de etnia Tupi, cujas aldeias situavam-se em ambos nas duas margens do rio, como também suportava a presença regular e constante de entrelopos e corsários franceses que, estribados na amizade indígena, aqui empreendiam a troca de mercadorias européias por produtos exóticos da terra, principalmente o pau-brasil, descansavam da vida rude dos mares e dos saques, consertavam suas embarcações e se abasteciam de víveres.

A construção da Fortaleza dos Reis Magos foi um fator vital no avanço da fronteira de contato e expansão da colonização portuguesa no final do século XVI, pois permitiu a efetiva ocupação colonial da Capitania do Rio Grande, a fundação da Cidade do Natal, a pacificação e a aliança com os índios potiguares e o conseqüente império sobre os territórios do norte do Brasil. (Figura 1).

A ereção da Fortaleza não foi caso pacífico tendo em vista a resistência indígena, açulada e auxiliada pelos gauleses. Os portugueses chegaram em força de armas e trabalharam em constante estado de vigilância e defesa, praticamente cercados em uma pequena faixa de terra. A tomada da boca do rio e a continuidade dos esforços lusitanos acabou inviabilizando o pouso dos franceses e, antes que decorressem dois anos, frutificou na aliança que se pretendia perpétua com os autóctones.

Desde então, e até a primeira quarta parte do século XIX, a Fortaleza foi o centro nevrálgico tanto do posterior desenvolvimento colonial português como da vida da Capitania. Falar do Rio Grande ou da Cidade do Natal nos dois primeiros séculos é falar, primordialmente, da construção militar que lhes garantiu a existência e na qual se forjaram as decisões para sua segurança e manutenção.

É a ela que se recolhem os habitantes nas horas de crises e perigos; é dela que partem os terços contratados para o combate com os índios revoltados do sertão; são seus os canhões que garantem a embocadura da barra contra a ambição de outros povos europeus. Conquistar a fortaleza é o primeiro e mais importante passo para o domínio do território, como bem sabiam e fizeram as tropas holandesas da Companhia das Índias Ocidentais.

A tomada do forte pelas forças batavas foi ação de guerra rápida. Cruzando a barra, posicionam seus navios a tiro de canhão da Fortaleza. Desembarcam artilharia e a estendem na linha de dunas que dá frente às muralhas. As tropas chegadas por terra - haviam desembarcado em praia mais distante e volteado pelo promontório da cidade - acampam sobre a proteção dos cômoros de areia e tiroteiam de suas cristas. Após alguns dias de resistência o Forte rende-se, em meio a eventos até hoje não bem esclarecidos. O estabelecimento militar - doravante, Forte Keulen - também será para os holandeses, como fora anteriormente para os portugueses, o ponto vital do território.

Firme a conquista, e restaurado o domínio português, serena a movimentação tumultuosa do entorno da fortaleza, embora retorne certa azáfama militar ao tempo da revolta dos indígenas do sertão, que se prolongará, intermitentemente, de 1680 até o início do século XVIII. Embora se possa admitir que em algum tempo acampem em suas redondezas alguma força indígena aliada ou tropas do Terço Paulista, os locais de acantonamento das tropas, de modo geral, distanciaram-se da região, deslocadas para as imediações do antigo engenho do Ferreiro Torto, na atual cidade de Macaíba.

Como salientamos acima, a fortaleza manterá, até meados do século XIX, sua importância militar-administrativa o que concorrerá para a manutenção do trânsito entre ela e a cidade. A principal via de trânsito e comunicação deverá ter sido, durante a maior parte do tempo, como fora desde o início, o mais próximo possível da margem fluvial, ligando a fortaleza aos ancoradouros mais profundos e, posteriormente, às alturas dominadas pela cidade, em traçado que ainda pode adequar-se, na zona em questão, à avenida Cel. Flamínio, que atravessa o terreno do 17º GAC, hoje fechada ao trânsito público. Outra estrada secundária parece ter existido, que desbordava mais para o interior e passava no sopé dos morros onde atualmente se encontra o bairro Petrópolis.

Estrutura do Projeto

O projeto foi estruturado em dois módulos - o primeiro, de reconhecimento arqueológico sistemático, o segundo, de execução de escavações de resgate e salvamento, sendo que a necessidade da consecução deste último estava vinculada às coletadas por aquele.

O Módulo I foi composto de dois tipos de trabalhos de campo:

- o reconhecimento de superfície, cujo objetivo foi o de encontrar e identificar eventuais vestígios arqueológicos expostos bem como anotar marcas do terreno que possibilitassem uma primeira compreensão sobre a ocupação da área, as alterações que sofreu, permitindo a seleção dos locais mais promissores para um reconhecimento de subsolo e de outros dados que permitissem o planejamento das sondagens de prospecção.

O reconhecimento foi feito por caminhamento de equipe em linha, de maneira sistemática, e cobriu o total da área que permitia trânsito de pedestre e também da identificação de manchas de solo em registros aerofotogramétricos disponíveis em órgão públicos e que foram acessíveis aos pesquisadores.

- a sondagem de subsolo, visou encontrar vestígios materiais - objetos, estruturas, marcas, etc. - que estivessem jacentes no subsolo da área, nos locais selecionados pelo reconhecimento de superfície ou naqueles que fossem necessários para assegurar uma melhor cobertura da área e averiguar a formação do solo pela análise estratigráfica.

Além dos dados do reconhecimento de superfície, a metodologia das atividades de prospecção fundamentou-se nas informações advindas da análise de documentação histórica e iconográfica existente e das inferências das comparações das mesmas com as condições atuais do local, assim como da memória oral sobre alterações efetuadas no terreno, recuperadas de antigos moradores e profissionais militares que ali trabalharam, e das técnicas arqueológicas de sondagem de terreno.

As escavações constaram de poços de sondagem, quadrículas de teste e abertura de trincheiras de reconhecimento, dependendo do tipo de vestígios que foram identificados.


Fatores que dirigiram o planejamento do reconhecimento da área

Em decorrência dos eventos históricos relacionados com a Fortaleza dos Reis Magos e, por extensão, com a Cidade do Natal, dois fatores que potencializavam arqueologicamente a área foram levados em consideração no planejamento do projeto.

Primeiramente, o fato da construção da Fortaleza sobre uma laje, em local que ficava originalmente isolado da terra quando da preamar, o que a deixava cercada de água por todos os lados e inacessível pela terra durante algumas horas por dia, condição que só foi modificada há poucos anos atrás com a construção de molhes de pedra na margem direita do rio Potengi. Isso potencializava flagrantemente a ocupação do entorno continental da Fortaleza, isto é, do mais próximo local de terra firme, não afetado pela maré, que permitisse o desenvolvimento de atividades de apoio à construção e manutenção do estabelecimento, principalmente em seus primeiros anos de existência. A presença da Fortaleza, inspirando maior garantia de sobrevivência naqueles tempos inseguros, foi, certamente, um atrativo para os primeiros colonos, mesmo após a fundação de Natal, cujo crescimento e consolidação foi moroso. (Figura 2)

Desde os primeiros momentos da conquista foi necessária a defesa de mananciais de água, de locais de abastecimento de lenha, de pesqueiros, ancoradouros, além do estabelecimento de um perímetro de segurança que servisse de pré-defesa das obras do forte, varejado por patrulhas que alertassem sobre a movimentação dos contrários e evitassem ataques de surpresa. Poder-se-ia esperar que os locais de terra firme tivessem sido primeiramente ocupados e servido de canteiro de obras e de núcleo primário de habitação. Embora a documentação, aliás escassa, pareça sugerir que a incipiente paliçada de galhos que primeiro protegeu os portugueses estivesse posicionada no local onde hoje ergue-se o forte, não estava fora de probabilidade que a mesma tivesse sido construída em local logisticamente mais favorável. De qualquer maneira, o ataque direto pelos indígenas ao local da construção foi rapidamente inviabilizado pelo controle do rio e pelo arrasamento de importantes aldeias potiguares que ocupavam as cercanias do caminho terrestre que serviu às tropas que fizeram a ligação com a Paraíba. Poder-se-ia conjeturar, portanto, que os locais de terra firme das cercanias do forte oferecessem condições de habitabilidade sem grandes sobressaltos. A existência de um pequeno povoado - que aparenta estar na zona em questão - consta de alguns mapas e desenhos da época do conflito com os holandeses, embora as escalas não sejam confiáveis como orientação.

Os vestígios materiais dessa ocupação qualificada - isto é, em função da fortaleza - poderiam estar representados por restos de construções dos ranchos da soldadesca permanente, dos acampamentos das tropas portuguesas e de aliados indígenas, estabelecimentos de ferraria, carpintaria e olaria, caiçaras de proteção, e, eventualmente, alguma ermida temporária, além da possibilidade de locais de sepultamento, dentre outros.

A ocupação holandesa desses locais parece inconteste quando se vasculha os mapas e gravuras da época. Quando dos atos de guerra que resultaram na tomada do forte, um acampamento de centenas de homens existiu em algum lugar por detrás da antiga linha de dunas - em distância não descrita; posições defensivas foram criadas e instaladas baterias artilhadas e toda a demais parafernália demandada pela organização de um exército do século XVII. Embora o acampamento tenha sido temporário, e ser um tipo de ocupação que não produza grandes densidades de vestígios ou vestígios resistentes ao tempo ou à dispersão, os restos dessa volumosa movimentação eram uma das mais potenciais composições vestigiais do local a ser prospectado. (Figura 3)

Em segundo, o fato de que a área em questão, em grande parte, aparentava ter escapado quase que incólume à pressão imobiliária do desenvolvimento urbano da Cidade do Natal, embora tivesse sofrido intervenções antrópicas ao longo do tempo - algumas construções, ruas e estradas, terraplenagem de nivelamento, retirada de areia, deposição de lixo e entulho, etc. Não obstante, a superfície do terreno estava em grande parte livre de obstáculos construídos.

Assinale-se, igualmente, o fato de que a presença de vestígios da ocupação indígena proto e pré-histórica não estava fora de questão, dado que a foz dos rios sempre foi preferencial para os grupos humanos que coletavam frutos do mar ou pescavam, ainda mais levando em consideração a expressiva ocupação do litoral norte-oriental do Estado por primevas populações, representadas por significativos sítios arqueológicos lítico-cerâmicos, inclusive nas proximidades da região analisada, como é o caso de Santa Rita e Genipabu.

O planejamento dos trabalhos de reconhecimento, portanto, priorizou os locais que demostravam maior potencial de adensamento de vestígios conforme os estudos e análises da iconografia e da cartografia antigas e das descrições documentais dos eventos ocorridos, assim como dos locais que avultassem em importância nos ajustes inferenciais devidos aos trabalhos ou, eventualmente, como corpos de contraprova.

A análise das descrições documentais dos eventos históricos ocorridos no local, o estudo comparativo da cartografia, da iconografia e do material fotográfico, quando aplicada in loco ao terreno, ensejou, desde o início, uma percepção renovada das condições do mesmo através dos tempos e contribuiu diretamente para a redescoberta de um elemento de arquitetura urbanística e para o entendimento da dinâmica das alterações do litoral atual em relação àquele do século XVI e XVII:

Elemento urbanístico

As mudanças funcionais que a área do projeto passou ao correr dos tempos, principalmente nas últimas décadas (a área era parte do trânsito viário da cidade e passou ao controle do Exército, construção de muros circundantes, do Círculo Militar, da estrada de acesso à Fortaleza, acúmulo de areia, etc.), tornaram despercebido um elemento urbanístico decorrente do Plano de Urbanização da Cidade do Natal, do arquiteto Giacomo Palumbo, de 1929, o qual foi reconhecido quando dos trabalhos de planejamento do projeto através de fotografias aéreas cedidas pelo IDEC.

O elemento arquitetônico é composto de pistas que desenham um grande sino com a abertura voltada para a cidade, com calçadas circundantes, enfim, o que parece ser um passeio público, e que hoje é imperceptível em seu conjunto, embora restem alguns componentes visíveis ou parcialmente visíveis (inclusive trechos da calçada original, hoje escondidos pelo mato ou encobertos pela areia). (Figura 4)

Não foi possível assegurarmo-nos da intencionalidade do formato simbólico deste elemento (que, inclusive possui um badalo estilizado, em posição sonante), embora o formato conste do projeto urbanístico original (Figura 5). Fotos aéreas de baixa altitude, de 1978, deixam perceber um peculiar conjunto de símbolos natalinos que se coadunam com o nome da cidade, a saber, a estrela de cinco pontas representada pela fortaleza e o sino que toma a ponta de terra firme, como que protegendo a cidade natalina. Não tendo sido intencional, é um claro exemplo do sincronismo jungiano atuando no planejamento urbanístico.

Alterações do litoral

O estudo comparativo de plantas topográficas e de outros registros demonstra fundamentais alterações no desenho do litoral da margem direita do rio Potengi, justamente na área em questão. Em 1924, a linha litorânea ainda não havia sofrido mudanças significativas, correspondendo bastante bem a que aparece descrita em mapas e iconografias antigas. Após esta época, obras que visavam a melhoria da entrada da barra e do aproveitamento do porto de Natal resultaram na construção de um dique fechando a brecha entre a terra firme e a linha de rochas que primeiro defronta o mar, isolando assim as águas do rio da zona coberta pelos movimentos de maré, ficando a fortaleza deste último lado.

O dique construído acabou atuando como uma grande caixa de decantação, aprisionando a areia em suspensão das águas de preamar que cruzam a linha rochosa. Tal fato causou um acréscimo notável de terra firme, ou de áreas temporariamente alagadas, ao litoral seiscentista. A construção de estradas e calçadas de acesso à fortaleza, nas últimas décadas, acelerou o aterramento da área, que se desenvolve em direção ao forte. É de se esperar que em mais algumas poucas décadas a Fortaleza fique quase a seco. (Fotos 1,2,3, e 4)

O seguimento dessa linha, em direção a Natal, na área hoje pertencente ao 17º GAC (fora do projeto), também possui alterações, não mais pelo dique mas pelo acréscimo de terreno decorrente do uso de areia dragada do canal do rio.

Entende-se facilmente que a compreensão dessa dinâmica foi de vital importância no planejamento do reconhecimento arqueológico, pois o mesmo foi realizado levando em consideração o que poderíamos chamar de litoral histórico.

O litoral histórico, ainda reconhecível em algumas plantas topográficas do início deste século, correspondia aproximadamente ao traçado da Av. Cel. Flamínio, que atravessa o terreno da unidade militar de artilharia. Sondagens de prova identificaram areias de linha de praia no seu costado voltado para o rio, fato que não aconteceu em nenhum outro lugar prospectado. (Figura 6, linha 2)

.

Descrição das subáreas de reconhecimento

A área do projeto foi dividida em unidades menores (Figura 6) para fins de reconhecimento e prospecção em consideração às seguintes razões:

- tipo de ocupação prospectiva e densidade potencial de vestígios;

- diferenças ambientais e físicas;

- descontinuidade espacial;

- alterações antrópicas modernas.

Subárea A

Localização:

Parte fronteira ao Círculo Militar, incluindo a faixa litorânea que fica entre a estrada e o mar, excluída a área defronte ao mangue, na margem direita do rio Potengi. (Figura 7)

Características:

A área é toda arenosa (areia fina), tendo sofrido diversas e profundas alterações modernas. O terreno foi bastante revirado em virtude da construção da estrada que o circunda e das diversas reformas viárias e de calçamento que aconteceram neste século. Parte considerável do terreno (no pátio fronteiro ao Círculo Militar) foi terraplenado após ter recebido dezenas de cargas de areia para nivelamento, a permitir a construção temporária de utilidades em um campeonato de vôlei de praia. Outra parte foi terraplenada e coberta com asfalto para formar o pátio de estacionamento da sociedade militar. A estrada que a atravessa (paralelepípedos) teve preparação do assentamento, apresentando uma camada de conglomerado argiloso que ultrapassa em vários metros a largura da mesma. À parte que fica entre a estrada e o mar apresenta evidentes sinais de trabalho de máquinas pesadas.

Resultado do reconhecimento e prospecção:

Na parte correspondente ao pátio frontal do Círculo Militar (que sofreu aterramento e nivelamento), a prospecção efetivamente revelou a operação acima descrita, pois toda ela apresenta areia misturada com entulho construtivo moderno. Passada esta camada, encontrou-se a linha d'água aos 2,90 m (poço 27, no centro do pátio), cumprindo-se um dos objetivos, o de identificar o solo anterior ao aterramento. Descrições do local confirmam que o mesmo era uma pequena baixada, o que explica o volume de aterro e areia.

As sondagens ao longo dos muros e do estacionamento foram estéreis em vestígios. Tais locais não foram afetados pelo aterramento, mas até a profundidade de 2,20 m, com exceção dos primeiros 40 cm de entulho construtivo moderno (restos de calçamento, principalmente), e da camada que serviu de base à construção da estrada, apresentava uma única camada estéril, de areia.

As prospecções nas proximidades do Círculo Militar foram prejudicadas pelo grande volume de entulho construtivo pesado (grandes pedaços de concreto) enterrado da superfície até, no mínimo, 50 cm de profundidade, provavelmente decorrentes de construções de defesa realizadas durante a Segunda Guerra, conforme relatos de contemporâneos (bunkers, posições de tiro antiaéreo, trincheiras, etc.). (Foto 5)

Sondagens foram realizadas na faixa litorânea (entre a estrada e o mar), local que, no planejamento, consideramos como tendo pertencido ao antigo litoral, ao menos em sua forma (Foto 6). Todos os poços de sondagem encontraram uma grande quantidade de entulho construtivo moderno (lajotas, concreto, etc.), não aparecendo a linha de água até 2,20 m, dado que o local é mais elevado em relação ao pátio. Nos locais mais próximos da praia foram encontrados restos malacológicos (carapaças calcárias de animais marinhos) naturalmente depositados e umidade no nível de 1,20 m. Todos os poços mostraram-se estéreis em outros vestígios. A diversidade e a profundidade do entulho demonstra que o local sofreu grandes movimentos de terra pela ação de pás mecânicas, provavelmente durante as sucessivas alterações e reformas da estrada e do calçamento.

É interessante notar que nesta última área é comum encontrar-se, na linha da maré, fragmentos de objetos coloniais (faianças e cerâmicas, principalmente), advindas de lixo disposto pela ocupação da fortaleza e que ficou retido no espaço que é coberto temporariamente pelas águas. Ocasionalmente, tal material volta à superfície e é varrido pela maré até a praia. (Foto 7)

Subárea B:

Localização:

Parte traseira do Círculo Militar, circundada por pistas asfaltadas de três lados, com hangares de ultraleves, excluídas as partes de mangue que margeiam o rio. (Figura 8)

Características:

A área é toda arenosa (areia fina) com cobertura vegetal arbustiva baixa, recente. O terreno apresentava duas manchas diferencias perceptíveis em fotografia aérea. Apresenta um pequeno declive em relação à subárea A e em relação à área dos prédios do Círculo Militar (em razão de terraplenagem). As estradas que a cercam também apresentam a base de conglomerado argiloso.

Tradicionalmente, as áreas A e B são consideradas como tendo sido ocupadas pelas tropas holandesas durante a conquista da Fortaleza e também como os possíveis locais de instalação de um povoado português incipiente no século XVI, ao tempo da construção da fortaleza (Povoação dos Reis).

Resultado do reconhecimento e prospecção:

As informações coletadas para o planejamento privilegiavam esta subárea no sentido de que a mesma teria escapado de alterações significativas. Como será descrito abaixo, isto não correspondia à realidade. Em sua grande maior parte o terreno foi intensamente revolvido ao correr dos anos.

O reconhecimento revelou logo que as manchas diferenciais que marcavam o terreno nas fotos aéreas de baixa altitude explicavam-se da seguinte maneira:

- uma grande mancha circular por detrás dos hangares de ultraleves revelou ser devida a uma camada de solo argiloso compactada que formava uma pista de saltos de uma hípica que ocupava o local na década de 70; (fotos 8 e 9)

- uma outra mancha, esta irregular e apresentando diferencial na coloração, ocupando o centro da subárea, demonstrou ser devida ao deságüe da água de limpeza da piscina, originando um crescimento diferente da vegetação e uma maior vitalidade da mesma. (Foto 10)

O terreno apresenta poucas variações de altura, com uma pequena inclinação no setor sudeste, sendo todo plano. Em toda a área mais baixa - que ocupa mais de dois terços do total - o nível de água foi alcançado em torno de 1,40 m, considerando-se os desníveis localizados. Em alguns desses poços encontraram-se escassos restos malacológicos, de deposição natural. Os poços de sondagem ou foram estéreis, apresentando uma camada única, de areia fina, eolicamente depositada, sem vestígios materiais (ocasionalmente, algumas estreitas manchas orgânicas devidas ao soterramento de vegetação), ou eram camadas que apresentavam entulho construtivo e vestígios de lixo doméstico, com manchas de material carbonizado. Restos de materiais modernos, plástico, por exemplo, foram encontrados ao nível do lençol freático, após camadas estéreis de até 1,80 m. Manchas orgânicas irregulares, não contínuas, em diversas profundidades, demonstram a sucessiva e contínua abertura de buracos e deposição de lixo seguido de soterramento intencional. Tal costume foi posteriormente confirmado através de relatos de antigos moradores.

A parte um pouco mais elevada do terreno, situada ao sudeste, um pouco mais elevada, apresenta-se completamente revolvida, com entulho construtivo moderno (restos de calçadas, tijoletas, ladrilhos, telhas, inclusive grandes pedras graníticas de meio-fio, paralelepípedos, etc.), até cerca de 1,60 m. Em uma pequena área foi mesmo impraticável a prospecção em razão da constante presença de restos materiais pesados. Todo esse setor da subárea sofreu movimentação de maquinaria pesada, provavelmente nas reformas da estrada e na construção do clube. Ao longo do muro identifica-se sempre a camada de assentamento da estrada. (Foto 11)

Ao lado do eixo da pista de ultraleves surgiu o que pareciam ser restos de paredes de barro, pela regularidade do traçado e diferenças de altura de alguns setores, mas as pesquisas revelaram - através da abertura de trincheiras e quadrículas de inspeção - serem marcas de esteiras de máquinas pesadas de terraplenagem gravadas no conglomerado argiloso que formava a base da estrada, principalmente numa parte em que a mesma é mais larga, pois era um acostamento da antiga via. (Fotos 12 e 13)

Subárea C:

Localização:

Terrenos de mangue que margeiam, pela direita, o rio Potengi, na largura total da faixa do projeto. (Figura 9)

Características:

Parte do mangue ainda é alagado periodicamente, parte está danificada por entulho moderno e parte é solo novo, resultante do assoreamento da área pela construção do dique e da estrada que leva à fortaleza.

Resultado do reconhecimento e prospecção:

A parte ainda alagada do mangue, margem do rio e lado oeste da faixa do projeto, não oferece nenhuma possibilidade de inspeção arqueológica e nem possui potencial do ponto de vista da existência de sítio arqueológico.

O lado leste, que defronta a Fortaleza, foi muito alterado por serviços de terraplenagem quando da construção da estrada de acesso ao forte e do dique, apresentando marcas de retirada de terra e presença de restos de materiais construtivos. As sondagens realizadas encontraram água a cerca de 1 m de profundidade. Misturado ao entulho moderno encontram-se, aqui e ali, alguns elementos mais antigos (alguns tijolos e telhas) que, provavelmente, pela disposição na matriz, advieram da reforma que a fortaleza sofreu na década de 70.

O setor que fica entre a estrada de acesso e o setor atingido pela preamar é formado de solo novo devido ao efeito de decantação anteriormente mencionado, não tendo sofrido sondagens de subsolo.

O centro e o lado sul da subárea (que dá frente aos hangares de ultraleves) são locais de aterramento artificial pela deposição de entulhos e lixo pesado moderno, com nivelamentos mecânicos localizados. O entulho construtivo é diversificado, correspondendo a restos materiais de vários momentos do século XX. Também aqui se encontrou água entre 0,30 e 1,0 m, dependendo do local, geralmente com restos malacológicos naturalmente depositados. (Fotos 14, 15 e 16)

Nesse lado sul as pesquisas identificaram uma antiga linha de praia localizada a cerca de 10 m da Av. Cel. Flamínio, e, atualmente, afastada do litoral, e dentro do perímetro do 17º GAC, fora, portanto, da área do projeto. Um dos poços de sondagem resultou na recuperação de um pequeno pedaço de cerâmica vitrificada colonial (séculos XVI e XVII), material que era utilizado nos vasilhames de armazenagem e transporte de vinho ou azeite, a 1,0 m de profundidade. Por sinal, foi o único vestígio colonial encontrado em toda a área prospectada na margem direita do rio. Poços de sondagem de contraprova foram realizados no local, mas resultaram em camada única de areia sem nenhum vestígio arqueológico.

Subárea D:

Localização:

Margem esquerda do rio Potengi, na largura e comprimento total da faixa prevista pelo projeto. (Foto 17 e 18)

Características:

A parte imediatamente adjunta ao rio é ocupada por construções modernas do bairro da Redinha e por utilidades operacionais do serviço de balsa, tendo sofrido grandes alterações. Na subárea existe um depósito público de lixo a céu aberto. A faixa de reconhecimento foi desmatada a pouco tempo. Todo o lado oeste da subárea é um manguezal ainda bastante preservado e de grande extensão. Antigamente, o rio Doce corria através deste manguezal e desaguava no Potengi, sendo navegável para pequenas embarcações. A zona é arenosa, com vegetação arbustiva de média altura e alguns restos de mata litorânea em algumas elevações. No final norte da faixa encontram-se algumas elevações dunares (fixas), mas o restante da área que não é afetada pelo mangue é de pequenos montes de areia fina semi-encoberta por vegetação. A região suporta a coleta de caranguejos no manguezal e a produção de carvão artesanal. A área é transitada por veículos fora-de-estrada. Pelo lado leste, a faixa limita-se com construções de casas de veraneio e com o lixo doméstico resultante desse tipo de ocupação.

Resultado do reconhecimento e prospecção:

Com a exclusão da área desmatada recentemente, situada na transição do mangue, e de dois pequenos promontórios sobranceiros ao manguezal, o restante da área possui cobertura de dunas (ou de sua formação) recente, não apresentando nenhum vestígio de superfície, seja de restos materiais, seja de marcas de terreno indicativas de ocupação antiga.

Os dois promontórios citados dominam locais à beira do manguezal, quase que à margem do antigo canal do rio Doce (hoje desviado), com todas as características de terem sido antigos ancoradouros, pois é tradicional que ainda o sejam para as canoas dos habitantes que realizam coleta no mangue (atualmente, somente quando sobe a maré).

O primeiro promontório, mais ao sul da faixa, apresentou restos de construções deste século - mais para o início do mesmo - sem a presença de outros vestígios significativos. O segundo promontório - quase no extremo norte da faixa do projeto - apresentou, em superfície, vestígios materiais do século XIX, sendo o escolhido para a abertura de trincheiras e quadrículas de inspeção.

O promontório e seu entorno imediato - por ser mais alto e melhor exposto à aeração - é o local preferido pelos produtores artesanais de carvão há muitas décadas, de acordo com as informações recolhidas dos próprios trabalhadores, e pelo solo revolvido que apresenta. Os carvoeiros escavam o solo em um círculo de aproximadamente 5 - 6 m de diâmetro, com profundidade média de cerca de 0,50 - 0,70 m, nele depositam a lenha a ser carbonizada e cobrem-na com terra. Após realizado o processo da queima, retiram a terra e recolhem o carvão. Esse tipo de exploração durante dezenas de anos revolveu muito o solo, danificando as eventuais matrizes arqueológicas que pudessem ter existido e dificultando sobremaneira - se não completamente impedindo - a recuperação contextual da ocupação humana. (Foto 17)

Além disso, as áreas próximas ao promontório sofreram a ação de máquinas pesadas de serviços de terraplenagem, que reviraram o subsolo, arrancando e arrastando materiais construtivos (mesmo pedras de fundações) por grandes extensões, devido, principalmente, à existência de um local de retirada de areia de uma grande duna a cerca de 100 m da elevação contendo os vestígios.

Apesar da destruição contextual do terreno, algumas inferências podem ser feitas a partir do exame dos materiais recolhidos e das escavações de sondagem e inspeção realizadas.

Os vestígios de superfície estão representados por pequenos pedaços de faiança fina inglesa com decoração (60%), sem decoração (35%) e alguns cacos de vasilhames em grés (5%). Os que puderam ser identificados pela análise laboratorial eram produtos de comum importação no século XIX, embora a técnica de produção de alguns tenha sido inventada desde os séculos XVII e XVIII. Poucos materiais desses tipos foram encontrados nas trincheiras e quadrículas escavadas, demonstrando estarem associados a um piso de ocupação bastante superficial, reforçando a impressão de ter sido uma construção de fins do século passado, provavelmente habitada até o início do século XX, desde que ainda há alguma memória em moradores mais antigos (40 - 60 anos) de terem ouvido contar sobre o antigo morador do lugar. Conforme a tradição, ele manteria um comércio no local. Teria tido amplo domínio sobre a área de mangue, proibindo a entrada de estranhos no mesmo e protegendo-o com a força de alguns jagunços.

Os restos de faiança fina inglesa decorada respondem por uma grande variedade de padrões e motivos decorativos em relação ao número de peças e ao tamanho das mesmas (sempre pequeno), demonstrando um certo poder aquisitivo do morador, ou então, confirmando a história oral, um entreposto comercial (Fotos 19, 20, 21 e 22). Este último aspecto não é de estranhar pois embora um pouco deslocado o local ainda está bem posicionado para ter servido o trânsito que existia entre Natal, Extremoz e Ceará-Mirim, que passava nas imediações, ainda mais lembrando da navegabilidade do rio Doce para pequenas embarcações. Ainda são visíveis nas margens da antiga calha do rio as marcas das sucessivas dragagens buscando manter o canal navegável.

Encontra-se, igualmente, em superfície - tanto no promontório quanto espaçadamente espalhados em seu entorno - pedaços de tijolos e telhas (fotos 23, 24 e 25). Tanto uns quanto os outros são de formatos antigos, de grandes dimensões e manualmente produzidos. Como no caso acima, tais elementos não servem para uma datação relativa mais precisa, pois este tipo de técnica sobreviveu até o início deste atual século. Também aparecem pedaços de rochas de praia (beach rock) de diversos tamanhos, mas nenhuma grande o suficiente para permitir afirmar tenham servido de fundação ou parede a alguma construção de maior vulto. O local de ancoradouro, ao fim de um declive forte, por exemplo, é natural, não apresentando nenhum tipo de benfeitoria para melhorar seu uso.

As escavações pouco contribuíram para revelar um conjunto desses materiais que permitisse inferir que a casa tivesse ruído e sido, posteriomente, coberta pela deposição das areias. Os cacos de tijolos e telhas, não muito numerosos, estavam espalhados sem nenhuma seqüência posicional que permitisse o entendimento da dinâmica do processo terminal da ocupação. Nenhum desses elementos foi encontrado inteiro, somente cacos de variados tamanhos, o que, aliado ao fato de ter-se encontrado um punção de ferro de grandes proporções misturado ao entulho, a 0,25 m de profundidade, faz entender que a casa tenha sofrido um desmanche de suas paredes e o material ainda de serventia sido levado embora.

O solo excessivamente revirado não permitiu que se encontrasse o piso de ocupação, embora aqui e acolá surgisse uma pequena mancha de terra batida. Nenhum traço de alinhamento de paredes, com exceção de uma curta linha de rochas de praia de pequenas dimensões, muito conturbada, a 0,45 m de profundidade, parecendo ter sido parte da fundação, pois não havia outros materiais associados. (Fotos 26 e 27)

As escavações que inspecionaram o lado que dá frente para o mangue trouxeram a luz duas bases de pedra cravadas, isto é, com as incisões para o engate das portaladas, técnica muito usual antigamente (vê-se o mesmo em algumas portas da Fortaleza dos Reis Magos) (Fotos 28 e 29). Na mesma matriz desses objetos encontrou-se um punção de ferro acima descrito (Foto 30), alguns cravos de ferro retorcidos e o molde ferruginoso de uma delicada estrutura de ferro ao modo de mão-francesa. Mesmo nesse local não havia nenhuma seqüência de paredes ou fundação que formasse linha com a portalada, o que foi comprovado através de trincheiras de contraprova. Fora de dúvida, essa estava em sua posição original, mas o antigo contexto de que fazia parte não mais existia.

O posicionamento da porta permitiu entender que os locais de maior densidade de vestígios de superfície (faianças finas) encontravam-se no exterior da casa, logo após a porta, entre esta e o ancoradouro.

Alguns outros materiais de uso doméstico foram encontrados nas escavações, como um dedal de bronze, ainda intacto, e fragmentos de tinteiros e frascos de vidro, estes últimos, provavelmente, de perfume, podendo ser associados ao século XIX.


Conclusão

A primeira conclusão flagrante do projeto é a de que a totalidade da faixa prospectada, diferentemente do que aparentava, sofreu intervenções em seu subsolo raso, danificando as camadas onde, eventualmente, se porventura existentes, estariam os vestígios de ocupações históricas.

Mas os resultados vão além, pois apontam para a inexistência de vestígios que identifiquem sítios arqueológicos de tais ocupações na área estudada na margem direita do rio. Todos os objetos encontrados nas áreas A e B pertencem ao século XX, principalmente no período após os anos 40, e provêem, em sua maior parte, de entulho depositado.

Se existissem vestígios materiais antigos, os movimentos de terra poderiam ter misturado-os com o entulho moderno, trazido-os à tona, enterrado-os mais profundamente, trocado-os de lugar, ou mesmo ter destruído o contexto primário de deposição, mas não teriam como eliminar completamente os fragmentos de materiais resistentes, típicos da ocupação humana colonial (telhas, tijolos, pedras de fundação, grés, vidro, cerâmica, porcelanas e faianças) principalmente em se tratando de ocupações permanentes durante alguns anos - e que apresentam uma maior densidade de vestígios - como seria o caso de um arraial ou pequena povoação. O material descartado em função de um acampamento militar temporário - embora em menor quantidade - ainda deveria ser perceptível pela intensidade da sondagem em área tão reduzida, mesmo que tivesse sido revolvido e deslocado de sua área inicial de deposição.

Outro tipo de produção de vestígios materiais que serviu de guia à localização e intensidade das sondagens foi o trânsito terrestre entre a fortaleza e a cidade. Os mapas antigos deixam vislumbrar a existência de um caminho quase beirando o litoral e cujo traçado coincidiria, aproximadamente, com a Av. Cel. Flamínio. Supondo, para fins de planejamento das prospecções, que tal caminho velho tivesse tido importância na manutenção da fortaleza durante os primeiros séculos de sua existência, cabia inferir que as margens imediatas do mesmo guardassem vestígios de construções que tivessem servido de apoio, alojamento, produção de utilidades ou intermediação comercial. As sondagens nada encontraram que confirmasse tal suposição. Embora tais vestígios possam existir no seguimento da avenida que adentra o 17º GAC (fora da área do projeto) é inusual que um dos terminais de uma estrada não possua tais construções, a não ser que esta não tenha sido a via de trânsito principal. A localização ribeirinha da fortaleza e da cidade deve ter favorecido o trânsito fluvial, mais expedito e eficiente na época. Ademais, as sondagens ao longo da Av. Cel. Flamínio, na faixa do projeto, alcançaram água a cerca de 1 metro de profundidade, geralmente associada à presença de restos malacológicos, atestando a influência do mangue a pouca profundidade.

Em relação às áreas A e B, o freático está sempre muito próximo da superfície, entre 1,60 a 2,10 m, quase sempre precedido de uma estreita camada de decomposição orgânica, correspondendo a uma antiga superfície vegetal soterrada. O restante é composto de uma só camada de areia de deposição eólica e de entulho moderno. Tais características demonstram que o local era um baixio alagado, provavelmente afetado pelos movimentos da maré, e que, no decorrer do tempo, foi sendo preenchido pela areia e atulhado e aplanado pela intervenção antrópica recente. Para melhor compreensão dessa dinâmica da paisagem, deve-se considerar, como explicitado na introdução, que toda esta área está sofrendo um processo de assoreamento devido às mudanças produzidas, primeiro, pela construção do dique de contenção em relação ao rio, nas primeiras décadas do século, depois, pelo dique de assentamento da estrada de acesso à Fortaleza, após os anos 60, confrontando a zona de maré.

O conjunto dessas informações permite inferir que tais locais não eram muito propícios à habitação permanente, insalubres, o que explicaria o fato de terem resistido ao crescimento urbano da cidade até a década de 60, quando então se tornou área militar.

Outro fato que foi preponderante no planejamento estava relacionado com a posição da linha de dunas ocupada pela artilharia holandesa - altas o suficiente para que o forte fosse bombardeado de cima para baixo ou quase que no mesmo nível - conforme diversas descrições. Em primeiro lugar, em relação à existência de vestígios, a ocupação foi muito rápida, questões de poucos dias. Por questões de segurança, as baterias artilhadas foram desmanchadas logo após a conquista da praça de guerra. Não há dúvidas, pelo estudo da documentação, seja batava ou ibérica, que as dunas fragilizavam a defesa do forte, propiciando excelentes posições táticas para uma tropa sitiante. Para não ser extenso, usar-se-á, como amostragem, compilação demonstrativa citada por Luís da Câmara Cascudo, em Os Holandeses no Rio Grande do Norte, editado pelo Departamento de Educação, em 1949:

(...) Acima de tudo houve um fator determinante. Existiam dunas que ficavam a cavaleiro do forte. A artilharia flamenga, montada no dorso dessas dunas, varria o Forte à pontaria (...) Os flamengos, não podendo arredar as dunas, depois de donos da praça, ergueram uma defesa diante da espécie de hornaveque, evitando que os baluartes ficassem devassados do exterior.

Essas dunas não existem mais. O Marquez de Basto escreve na MEMÓRIAS DIÁRIAS: "O Forte do Rio Grande estava fundado sobre uma lage que o mar cobria, junto á barra, tendo o padrasto de um morro de areia, obra dos ventos, alí quasi permanentes, sem que as muitas diligências o pudessem impedir: porque a providência, que um ano parecia utilizar, dai a oito dias mostrava-se improfícua, tornando o vento a reunir as areias".

Num mapa holandês (...) 1633, são visíveis as oito dunas sobre as quais foram apostas três baterias de canhões.(o mapa citado está na Figura 3)

Um outro mapa, de Albernaz, o velho (Figura 2), descreve as dimensões das dunas, inclusive a distância em relação à fortaleza. Tomando-se este documento em consideração, a linha de dunas teria estado posicionada a cerca de 140 metros da amurada frontal, portanto, atualmente, dentro da faixa invadida pela preamar, a meio caminho entre a fortaleza e a ponta de terra firme do Círculo Militar (Figura 7, linha 3). Se existiram efetivamente tais dunas - consultas aos geomorfólogos ficaram inconclusivas com os dados existentes - o local do acampamento das forças da Companhia das Índias Ocidentais, se posicionado logo atrás das mesmas para ficarem protegidas dos tiros de mergulho da artilharia do forte, como buscam demonstrar as gravuras contemporâneas da época, igualmente estariam hoje em locais cobertos diariamente pela maré.

Se desconsiderarmos documento militar tão pontual, tais eventos ainda poderiam ser deslocados para as alturas ocupadas pelo 17º GAC (fora das áreas prospectadas), se levarmos em conta o alcance da artilharia do início do século XVII. Embora os canhões que ali atuaram tivessem um alcance maior do que 2.000 metros, segundo consulta ao historiador Olavo de Medeiros Filho, para assédio só eram efetivos até 800 metros, conforme informação do Cel. Luiz Eugênio Duarte Peixoto, Diretor da Biblioteca do Exército (Figura 7, linha 1). Ateste-se, ainda, que até a década de 50 tal região era toda composta de dunas, as quais, posteriormente, foram fixadas por plantio de vegetação (potó), como bem demonstrado pelo Prof. José Melquíades, em entrevista com a equipe, e em livro a ser publicado sobre o bairro de Santos Reis.

Conclui-se, portanto, que as áreas reconhecidas e prospectadas no cumprimento dos objetivos do projeto, não possuem evidências de adensamentos de vestígios materiais, ou marcas de terreno, que possam ser identificados com sítios arqueológicos. Fica comprovado, também, que a área, arqueologicamente falando, já sofreu, anteriormente, no decorrer dos anos, grande impacto no contexto de sua superfície e de seu subsolo imediato, causado por diversos tipos de intervenção antrópica. Saliente-se, que sendo o reconhecimento e a prospecção de subsolo uma técnica arqueológica de amostragem sistemática, que busca reconhecer adensamentos significativos de vestígios, não se exclui a possibilidade da existência de objetos isolados espalhados ao acaso dos tempos, não reconhecíveis, entretanto, como sítios arqueológicos legalmente protegidos.

Não obstante o comprometimento da área como um todo, do ponto de vista de sítios arqueológicos, chamaríamos a atenção para o fato de que a subárea D apresenta a existência de materiais arqueológicos descontextualizados, que poderiam vir a ser recolhidos, como objetos museológicos, para auxiliar na composição do inventário histórico-cultural sobre a formação da cidade e de sua circunvizinhança.



Natal, 02 de setembro de 1999.

Arqueol. Walner Barros Spencer

Coordenador do Projeto




Equipe

Coordenação geral

Walner Barros Spencer

Coordenação adjunta

Cláudia Cristina do Lago Borges

Monitores de escavação

Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da Silva

Iago Henrique A. de Medeiros

James Carlos da Silva Araújo

Marluce Lopes da Silva

Myron Sérgio Ribeiro de Souza

Wagner do Nascimento Rodrigues

Zaira Atanázio Ferreira

Fotografia

Cláudia Cristina do Lago Borges

Diagramação gráfica

Wagner do Nascimento Rodrigues